O Monge é o Executivo
Minha grande preocupação não é
se você falhou,
mas se está contente com sua
falha.
– ABRAHAM LINCOLN
QUE FRACASSO!
Fazia mais de dois anos desde o meu retiro de uma semana no João da Cruz, o velho mosteiro beneditino no norte de Michigan. Ao terminar aquele retiro, eu me sentira esperançoso e otimista, certo de que minha vida teria uma mudança radical para melhor. E as coisas realmente haviam mudado. Só que de modo diferente do que eu esperava. Mais uma vez, minha vida estava fugindo ao controle. Até meu antigo e recorrente pesadelo infantil havia voltado a me atormentar. Meu pesadelo se passa numa noite muito escura, sem lua. Estou perdido e assustado, correndo por um cemitério, e, embora não consiga ver o que me persegue, sei que se trata do mal, de algo que quer me causar danos terríveis. De repente, um ancião usando um manto negro e um capuz aparece na minha frente, saindo de trás de um grande crucifixo de concreto meio dilapidado. Quando esbarro nele, o ancião me segura pelos ombros, fixa os olhos nos meus e grita, em tom urgente: “Ache Simeão! Ache Simeão e ouça-o!” Eu sempre acordo tremendo e suando frio. Mas, voltando ao que estava dizendo, depois do retorno para casa, após aquela semana impressionante no mosteiro, tive certeza de duas coisas: eu finalmente “achara” Simeão e “ouvira” o que ele tinha a dizer, e meu pesadelo recorrente acabaria e minha vida nova e transformada começaria. Pensando agora, constato decepcionado: que ilusão! Que fracasso!
CUMPRINDO FIELMENTE SUA PROMESSA feita no último dia do retiro, o sargento Greg mandou e-mails para nosso pequeno grupo de sete pessoas, propondo possíveis datas de reencontro. O “Bando dos Sete” (como o sargento nos chamava) incluía a treinadora Chris, a enfermeira Kim, o pastor Lee, a diretora Teresa, o sargento Greg, o professor Simeão e, é claro, eu, o executivo John. Quando acabou aquela semana notável, todos esperávamos voltar ao mosteiro seis meses depois para um reencontro. Ninguém imaginava que levaria mais de dois anos para tornarmos a nos reunir. O problema era criado pelo abade, o cara que dava as ordens, e que tinha de dar sua aprovação para que qualquer coisa acontecesse. As informações que o sargento nos mandou por e-mail revelaram que Simeão não estava conseguindo obter permissão do abade para nosso reencontro, o que me deixou profundamente irritado. Antes de tornar-se monge, Simeão era Len Hoffman, uma lenda empresarial e um dos executivos mais bem-sucedidos da história norte-americana. Com a morte de sua mulher, ele decidira entrar para o mosteiro, onde passou a fazer retiros para profissionais. Eu não conseguia imaginar que Simeão precisasse de permissão para um encontro! Tenha paciência! Por fim, após muitos meses de pedidos, esperas, recusas e novas solicitações, Simeão havia recebido a “bula papal”, ou seja lá qual fosse a permissão necessária para permitir nosso reencontro.
Aparentemente, o mosteiro estaria vazio, pois os 32 monges companheiros de Simeão estariam participando de uma conferência mundial dos beneditinos em Roma. O professor havia recebido permissão especial para ficar cuidando do mosteiro, além de ser o anfitrião de um reencontro de fim de semana com o Bando dos Sete. Em sua infinita sabedoria e divina clemência, o abade finalmente concedera uma licença especial para nos reunirmos, além de dar a Simeão a inusitada permissão para
faltar à conferência e se encontrar conosco. Fiz uma anotação mental para enviar ao abade um cartão de agradecimento e um presente por sua comovente generosidade. Ou não.
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COMO VOCÊ PODE IMAGINAR, meu estado de espírito estava bem longe do ideal, quando enfim chegou a hora do nosso tão esperado reencontro. Com toda a sinceridade, eu não estava nem um pouco animado com a reunião. Sentiame um tremendo fracassado por não ter conseguido colocar em prática as grandes lições de liderança que havia aprendido na semana em que estivéramos juntos, dois anos antes.
Estava envergonhado por ter de encarar meus colegas de turma, sem ter tomado jeito. E estava mortificado pela perspectiva de encontrar Simeão e enfrentar o que eu tinha certeza de que seria sua grande decepção comigo. Por fora, as coisas pareciam ir muito bem. Ótimo emprego, casa grande, carro do ano, esposa bonita, dois filhos no ensino médio, jantares em bons restaurantes e viagens de férias todos os anos. Era como se eu estivesse vivendo o sonho americano. E, acredite, eu me esforçava muito para dar a impressão de que estava com tudo em cima. “Cara, você está mesmo com a bola toda!” Era assim que meu cunhado descrevia minha vida. Mal sabia ele que as coisas quase nunca são o que parecem. Nas semanas seguintes ao retiro, eu me saí muito bem. Voltei cheio de energia para dar a devida atenção a minha família e equipe de trabalho. Estava disposto a ouvir com interesse o que tinham a dizer e assim melhorar nossa cumplicidade, nosso entrosamento e, no caso da empresa, nossos resultados. Vários de meus familiares, amigos e colegas ficaram impressionados em ver como eu estava mais envolvido, animado e cheio de ideias. Todos elogiavam a transformação que vinham observando em mim.
Aos poucos, porém, ao enfrentar uma série de problemas no trabalho e em casa, comecei a recair nos velhos hábitos. Na fábrica, além de atrasos e erros de produção, perdemos no mesmo mês um de nossos melhores gerentes e nosso terceiro maior cliente, o que gerou muita tensão. Voltei a ter dificuldade em ouvir os outros, sobretudo se expressavam ideias diferentes das minhas. Sentia uma enorme irritação e impaciência quando os resultados não correspondiam às minhas expectativas. As nuvens escuras voltavam a se acumular. Um dos meus pares, dirigente de uma fábrica parceira da nossa, me alertou para o fato de andar ouvindo boatos de que a empresa não estava satisfeita com meu desempenho. “Emocionalmente imaturo”: foi esse o rótulo que um burocrata do setor de RH da empresa atribuiu a mim, mas o que eles entendiam a respeito de dirigir uma operação de milhões de dólares? Para completar, duas semanas antes do nosso reencontro no mosteiro, meu chefe tinha-me colocado num plano de aprimoramento de desempenho, o que significava, basicamente, que eu teria 120 dias para me reorganizar, caso contrário, eles procurariam um novo gerente geral para a fábrica. Em casa, a situação também foi se deteriorando. Eu e minha mulher, Rachel, chegamos até a cogitar uma “separação temporária”. Não fosse por nossos dois filhos, tenho certeza de que já teríamos desistido. Meu filho, John Jr., agora com 16 anos, passara de adolescente barulhento e rebelde a um introvertido extremado, que gastava todo o seu tempo livre surfando por só Deus sabe que sites da internet ou jogando videogames violentos. Seu desempenho escolar havia despencado para um punhado de notas baixas, e ele só manifestava interesse em mergulhar de cabeça em coisas cibernéticas. Seu comportamento estranho começava a me assustar um pouco.
Bem mais do que um pouco. Minha preciosa filha, Sara, chegara aos 14 anos, e meus olhos ainda se enchem de lágrimas quando penso nela pequena e na nossa deliciosa relação de pai e filha. Agora
Sara andava com um grupo que só se vestia de preto e usava maquiagem pesada nos olhos. Nosso relacionamento ficara reduzido a uma linguagem monossilábica (oi, tchau, tá, não!, hum…). A última vez que ela efetivamente falara comigo sobre alguma coisa substancial tinha sido ao anunciar que ia tatuar um dragão nas costas, supostamente numa representação de força, coragem ou outra besteira similar.
– Filha minha não vai fazer tatuagem nenhuma enquanto morar nesta casa. E fim de papo! – declarei, com um murro na mesa de jantar, para dar maior ênfase ditatorial. – Então tá – foi a resposta dela (embora eu tenha de admitir que fiquei satisfeito por ouvi-la enunciar pelo menos três sílabas). Em menos de uma semana, Sara gingava para lá e para cá, exibindo abertamente a tatuagem, e, de quebra, uma argola no nariz, para dramatizar sabe-se lá qual afirmação. As duas semanas de castigo que recebeu por essa estupidez serviram apenas para deixá-la mais insolente e distante. Com tudo isso acontecendo, não é difícil perceber por que eu não estava num estado de espírito favorável para o reencontro. Mais uma vez, Rachel me incentivou muito a ir para o retiro, o que quase liquidou a ideia, porque fiquei tentado a não ir, só para contrariá-la. No fim, eu me resignei e decidi fazer a viagem para o reencontro, enfrentar meus colegas de turma e minha humilhação. Ao dar a partida no carro, naquela ensolarada quinta-feira de outubro, para encarar as seis horas de viagem até o norte de Michigan, eu simplesmente não conseguia acreditar na situação em que me achava. Um verdadeiro fracasso.
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