De Volta ao Mosteiro - Capítulo 2 - Regresso
O fracasso não é a queda,
e sim a permanência no chão.
– MARY PICKFORD
APESAR DE ME SENTIR DEPRIMIDO, a paisagem diante do para-brisa serviu para me animar. Na minha opinião, o noroeste da península inferior de Michigan é um dos lugares mais fascinantes do mundo, especialmente durante o outono. Acelerei pela autoestrada, passando pela pitoresca cidade de Frankfort, antes de cruzar a ponte do estreito que separa em “pequeno” e “grande” o lago Glen, o mais lindo lago de água doce do planeta. Do lado esquerdo, o sol dourado se punha atrás da enorme duna conhecida como Escalada da Duna, um destino turístico popular e um desafio que venci muitas vezes quando menino.
Alguns quilômetros adiante, virando para o norte, entrei na estrada Port Oneida, em direção a Pyramid Point. Já estava escuro, por isso segui devagar por uns três quilômetros, procurando a trilha de mão dupla que levava ao mosteiro. Por pouco não deixei escapar o poste da cerca, situado à esquerda, num ponto alto à margem da estrada, com sua simples placa de madeira onde se viam entalhadas as palavras João da Cruz. Eu estava de volta. Assim que saltei do carro, fui tomado pela sensação de estar sozinho, talvez provocada pela visão do terreno completamente deserto. Por sorte, o sentimento foi atenuado pelo som encantador do farfalhar das folhas secas de outono, misturado ao das ondas que quebravam na praia do lago Michigan, lá embaixo, na escuridão. Dois dos meus sons favoritos. Entrei no prédio e peguei o bilhete preso com fita adesiva no balcão da recepção.
Saudações, meu amigo John!
Aguardo com grande expectativa o tempo que passaremos juntos. Você terá seu próprio quarto neste fim de semana – o n.º 2, no andar de cima (lembro que você gosta de ter um quarto só para si).
Começaremos às oito da manhã, em ponto, na sala principal de treinamento em que nos reunimos da última vez.
Amo você, John.
– Simeão
MINHAS PRIMEIRAS SENSAÇÕES foram de alegria por ter meu próprio quarto (era muita gentileza de Simeão ter se lembrado disso) e de mal-estar pelo “amo você” que encerrava o bilhete. Posso contar nos dedos da mão, ainda com sobra, o número de homens que me disseram isso durante a vida. E, em todas as ocasiões, a sensação foi de grande desconforto. Por que isso? Ao desfazer a mala e me preparar para dormir, notei que meu desânimo fora substituído por um sentimento que havia um bom tempo eu não experimentava. Era o mesmo que eu tivera, sentado no estacionamento, à espera da chegada de Rachel para me buscar, depois do retiro realizado há 26 meses. Esperança. Dessa vez, quem sabe, eu haveria de “achar Simeão e ouvi-lo”. Ouvi-lo de verdade.
ESPERANÇA DEVE SER UMA COISA BOA porque dormi melhor do que vinha dormindo em meses. Como de costume, levantei cedo, vesti-me depressa e saí. O alvorecer era visível no horizonte distante, e uma brisa leve e fria soprava do oeste, vinda do grande lago quase invisível. Como eu me lembrava, o terreno do mosteiro ficava centenas de metros acima do lago Michigan. Meia dúzia de construções pequenas e médias de madeira cercava a capela que era, obviamente, o ponto principal do lugar. A velha capela hexagonal de madeira permanecia tal como eu a recordava, com as seis paredes convergindo no centro para formar a torre, em cujo ápice fixava-se uma grande
cruz. Lindos e intrincados vitrais, retratando diferentes cenas bíblicas, podiam ser vistos em cada um dos seis lados. Era uma estrutura simples, mas elegante. Olhei de relance para o imenso lago lá embaixo, senti o cheiro das folhas de outono e ouvi o murmúrio da água. Minha visão periférica detectou um movimento mais abaixo, e vi um ponto minúsculo caminhando na beira da praia. Meu coração palpitou. Seria Simeão?
PARA MINHA SURPRESA, EU ME VI DESCENDO em disparada os numerosos e antigos degraus que levavam à praia. Ao chegar ao terreno plano, mal pude acreditar que estava de fato correndo em direção à silhueta. Correndo para cumprimentar alguém? Só em outra ocasião da minha vida eu me lembrava de ter feito tamanha tolice. E tinha sido ao correr para esse mesmo homem, uns dois anos antes.
– Simeão! – gritei. – É você?
O homem alto, de túnica com capuz, virou-se devagar. Eu havia esquecido o impacto que causava a sua presença. Simeão não parecia ter envelhecido e ainda estava em ótima forma, o corpo esguio e rijo. Apesar da cabeleira branca como a neve, ele parecia ter sessenta e poucos anos, no máximo, em vez dos seus reais 84. Tal como antes, o que mais me impressionou foram seus penetrantes olhos azuis. Eram, sem dúvida, os olhos mais acolhedores e amorosos que eu já tinha visto. Minha reação imediata foi sentir-me totalmente desarmado e em completa segurança.
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– Como vai o meu bom amigo? – perguntou ele, antes de me dar um abraço apertado.
De forma repentina e inesperada, aconteceu outra coisa rara. Eu desatei a chorar. Todos os meus esforços para conter o fluxo das lágrimas foram inúteis. Tentei responder à pergunta do professor, mas não consegui falar uma só palavra. Simeão e eu caminhamos em silêncio para a escadaria, com seu braço envolvendo meus ombros com firmeza, e subimos juntos os 243 degraus. No alto, sentamos lado a lado num banco, e foi como se eu tivesse corrido uma maratona, de tanto que estava sem fôlego por causa da subida. Simeão não estava nem um pouco ofegante. Ficamos sentados por um tempo, até surgirem algumas palavras.
– Simeão, eu me sinto um tremendo fracasso! O retiro há dois anos foi um dos pontos altos da minha vida, e eu tinha certeza de que ela mudaria para melhor. Nos primeiros meses, foi tudo ótimo, mas agora está pior do que nunca.
O professor não fez perguntas nem pediu esclarecimentos. Nada. Apenas ficou sentado ali, me olhando atentamente e absorvendo cada palavra, como se nada no mundo fosse mais importante para ele do que aquele momento sentado ao meu lado.
– Por que eu não mudei, Simeão? – perguntei. – Eu confiei em tudo o que nos foi ensinado sobre liderança, sobre servir aos outros, construir relacionamentos e todas aquelas coisas geniais. Por que as mudanças duraram tão pouco?
Simeão apenas continuou a me olhar fundo nos olhos, com uma expressão de completa compaixão e aceitação. Era um olhar tão penetrante que tive dificuldade de sustentá-lo.
– Você não está dizendo nada, Simeão – deixei escapar num impulso, meio irritado com o silêncio dele. – No que está pensando?
O professor sorriu.
– Só em como estou contente por você estar aqui, John.
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