De Volta ao Mosteiro – Capítulo 8 – Poder
O valor do poder coercitivo é
proporcionalmente
inverso a sua utilização.– ROBERT GREENLEA
TODOS, MENOS O PASTOR, se dirigiram ao refeitório, localizado a uns 300 metros de distância da sala de reuniões, seguindo uma trilha arenosa. Lee anunciou que queria almoçar sozinho em seu quarto. Pois que fosse.
Simeão, paramentado com chapéu e avental de mestre-cuca, pôs-se imediatamente a trabalhar na cozinha, picando legumes e preparando umas pastinhas saborosas. Postei-me ao lado dele e perguntei:
– Posso ajudar? Na verdade, trabalho bem direitinho na cozinha.
– É claro – sorriu o professor, jogando-me um avental.
Num piscar de olhos, ele e eu servimos um bufê genial, com direito a frios fatiados, pão fresco, dois tipos de sopas caseiras e duas saladas, temperadas com muitos condimentos, para aprimorar o sabor. A treinadora anunciou:
– Com os cumprimentos culinários do monge e do executivo!
– Um dia, em breve, espero que você diga “o monge e o líder” – retruquei, um pouco ressentido com o comentário.
A treinadora fez uma cara desolada e completou:
– Puxa, eu não estava pretendendo insinuar nada com isso, John. Desculpe-me.
– Sei que não estava, Chris. Não se preocupe. Vamos comer!
O refeitório era espaçoso, com um mobiliário simples e grandes mesas redondas. Simeão explicou que os monges só usavam mesas redondas nas reuniões formais, inclusive nas refeições e nos encontros monásticos, para reforçar a igualdade de condições dos presentes. Aparentemente, essa tradição fora inspirada na lenda do rei Arthur e a Távola Redonda, que remonta a mais de mil anos. O rei Arthur fazia questão da mesa redonda para ilustrar visualmente o status de igualdade entre os presentes e para simbolizar um grupo todo feito de líderes. É claro que o rei Arthur continuava a ser rei e tinha responsabilidades diferentes das dos cavaleiros, mas esperava-se que estes agissem e assumissem pessoalmente as responsabilidades, como líderes que deviam ser. O conceito de primus inter pares, “o primeiro entre iguais”, nasceu da mesma tradição. Simeão disse que falaríamos mais sobre esse assunto ao explorarmos a construção da comunidade e da cultura, no último dia do nosso encontro. Tal como a sala de treinamento, o refeitório tinha janelas em toda a parede oeste, para captar a vista do belo e majestoso lago. Das janelas do leste e do norte descortinava-se a orla de uma imensa floresta de pinheiros, com uma trilha sinuosa e convidativa que levava à escuridão da mata. Pensei que gostaria de examinar essa trilha, mais tarde.
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DEPOIS DO ALMOÇO, fiz um passeio solitário pelo terreno deserto do mosteiro, que demorou mais do que eu havia planejado. Voltei à sala de aula com um ou dois minutos de atraso, e me apressei a ocupar meu lugar.
– Vamos manter a pontualidade, John – veio a alfinetada do pastor.
– Ou será que o seu tempo é mais importante do que o nosso?
Senti o sangue subir à cabeça, enquanto me virava na direção dele, pronto para lhe dar uma resposta desaforada. Felizmente, antes que eu falasse, Simeão resolveu ignorar meu atraso e anunciou:
– Já temos uma ótima lista sobre a liderança! Quem é o próximo?
Sentindo-me culpado pelo atraso, eu me recompus e me ofereci.
– Simeão, eu me lembro que, há dois anos, você afirmou que a liderança legítima vem da autoridade moral da pessoa, e não de seu poder. Por isso, minhas duas contribuições sobre a liderança seriam: primeiro, liderança não tem a ver com poder; e segundo, para liderar outras pessoas com eficiência, é preciso desenvolver a autoridade.
– Sim, excelente, John, obrigado – disse Simeão com um sorriso, e escreveu:
Liderança ≠ Poder
Depois, virou-se para nós e afirmou sorrindo:
– Vou repetir o que já disse há dois anos. Estou mais convencido do que nunca que Jesus Cristo foi o líder mais influente que já viveu. A razão que me faz declarar isso é muito simples. Se liderança tem a ver com influência, e sabemos que tem, quem, na história humana, influenciou e impactou mais pessoas do que Jesus?
– Isso é uma opinião ou um fato, Simeão? – questionou a diretora.
– Desculpe.
Tenho muito respeito por você e pelo que faz aqui, e não pretendo desrespeitar suas crenças. Só que não quero que este retiro se torne uma coisa religiosa. A treinadora interveio antes que o professor respondesse:
– Teresa, para mim a diferença entre um fato e uma opinião são as provas daquilo que se afirma. E as provas da afirmação do Simeão são muito claras. O cristianismo é o maior sistema religioso organizado da Terra, com mais de 2,4 bilhões de seguidores hoje em dia. Combine isso com os bilhões de outros que se chamaram de cristãos nos
últimos dois mil anos, e estaremos começando a reunir provas substanciais. Após uma pausa, ela prosseguiu:
– Além disso, nosso calendário é dividido de acordo com o número de anos decorridos desde o nascimento de Jesus, e muitos países do mundo, inclusive o nosso, têm feriados nacionais baseados em acontecimentos da vida dele. Acho que nenhuma pessoa intelectualmente honesta, seja qual for sua religião, pode negar que Jesus influenciou, inspirou e afetou as escolhas de mais indivíduos do que qualquer pessoa na história humana. De longe.
A sala emudeceu. Simeão retomou sua fala:
– Por favor, saibam que não estou tentando defender um argumento religioso, mas apenas um argumento simples e pragmático. O líder mais eficaz da história humana, por qualquer critério razoável, fez uma declaração definitiva sobre a liderança. Disse que, para ser líder, primeiro a pessoa deve ser serva. Liderar é servir. Talvez ele estivesse no caminho certo de algo importante.
– Como o quê? – quis saber a diretora.
– Estou convencido de que, se não compreendermos plenamente a distinção entre ter poder sobre as pessoas e ter autoridade junto às pessoas, nunca compreenderemos plenamente o que Jesus quis dizer ao afirmar que líder é aquele que serve – respondeu Simeão. A diretora pareceu convencida e disse:
– Tenho uma vaga lembrança do que falamos sobre poder versus autoridade no último retiro, Simeão. Você pode nos refrescar a memória?
– Com muito prazer, Teresa. Há mais de cem anos, um dos fundadores da sociologia, Max Weber, estabeleceu uma diferença entre poder e autoridade, e essas definições ainda são amplamente usadas. Em linhas gerais, poder é a capacidade que alguém tem, por causa de sua posição, de forçar ou coagir os outros a cumprirem sua
vontade, ainda que eles preferissem não fazê-lo.
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– Forçar ou coagir? – reagiu o pastor. – Isso parece meio forte.
– Permita-me simplificar para você, Lee – eu disse, em tom sarcástico. – Poder é: faça isto, senão…! Faça-o, senão eu o bombardeio, espanco, arraso, denuncio, demito. Poder é a minha possibilidade de obrigá-lo a agir segundo minha vontade, queira você ou não. Acredite, eu entendo tudo de poder.
– Essa definição faz o poder parecer uma coisa negativa! – retrucou o pastor. – Às vezes, o líder tem que exercer a função de chefe, dizer às pessoas o que fazer, e definir a realidade para elas. Não acho que o poder seja necessariamente ruim.
– Nem eu – interpôs Simeão, para surpresa de alguns. – Há momentos em que o líder talvez tenha que recorrer ao poder, quando ele se faz necessário. Lembrem-se, os líderes sempre atendem a necessidades legítimas. Pode haver momentos legítimos em que é preciso exercer o poder, mas o líder sábio o usa de maneira criteriosa e comedida. Na verdade, quando o líder servidor precisa usar o poder, ele o faz com tristeza, porque reconhece que o uso do poder decorreu de um declínio da sua autoridade pessoal. Daqui a pouco vamos falar mais sobre autoridade
.– Sim, acho que isso faz todo o sentido, Simeão – concordou a enfermeira. – E há também um aspecto bastante negativo no exercício do poder.
– E qual seria? – perguntou o pastor, parecendo aborrecido.
Essa eu resolvi responder:
– O aspecto negativo do poder é simples. Ele desgasta as relações.
– Isso mesmo, John – afirmou Simeão, na mesma hora. – Quando o poder é utilizado para dominar, controlar e manipular as pessoas, sejam elas crianças, empregados, alunos, cônjuges ou clientes, começam a surgir sinais muito ruins.
– Como o quê? – insistiu o pregador.– Sinais como rebeldia, mentira, baixo nível de comprometimento, moral baixa, falta de confiança, disfunções familiares, falhas organizacionais, conflitos trabalhistas, rotatividade dos empregados, divórcio, absenteísmo, para citar apenas alguns.
– Em suma – acrescentou a enfermeira –, talvez você possa tirar algum proveito do poder, mas, com o tempo, o estilo de liderança baseado nele estraga as relações. Os relacionamentos são o que há de mais importante na vida, porque as pessoas são basicamente seres relacionais. Até as empresas têm tudo a ver com relações, porque sem
pessoas não há negócios. A diretora estava com uma citação pronta:
– Como diz Herb Kelleher, o grande líder servidor da Southwest Airlines, “A essência dos negócios são as pessoas”. Surpreendi-me ao dizer:
– Vocês duas têm razão. As pessoas são relacionais e o poder desgasta as relações. Sei disso, pode crer. Vivi recentemente um episódio com minha filha que ilustra muito bem o que estamos discutindo. Quando há quebra de confiança e um dano no relacionamento, as coisas descambam depressa para a mentalidade da obediência e da
política do pescoço para baixo. As pessoas só obedecem até conseguirem fugir de você. Tornei a baixar a cabeça, com um aperto no peito. O professor fez o resumo para nós:
– Como discutimos esta manhã, os jovens de hoje têm pouca tolerância com as pessoas instaladas no poder. De fato, essa revolta pode ser vista no mundo inteiro, e até em nosso próprio país. O mundo se cansou dos detentores do poder. Portanto, meus amigos, se a sua liderança é baseada no poder, ela é um castelo de cartas. Talvez vocês
consigam desfrutar do poder por um período, mas, com o tempo, começam a surgir rompimentos nas relações, baixo nível de compromisso, falta de confiança e muitos outros sinais desagradáveis. Os requisitos básicos necessários para uma equipe saudável, que funcione bem, ficam grandemente prejudicados. Em suma, liderar pelo poder não é sustentável. O aperto no meu peito continuou.
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