De Volta ao Mosteiro – Capítulo 9 – Autoridade
Como o poder corrompe,
a demanda da sociedade por
autoridade
moral e caráter aumenta à
medida que
aumenta a importância da
posição.– JOHN ADAMS, segundo
presidente dos Estados Unidos
O PASTOR MOSTRAVA-SE IMPACIENTE para continuar:
– Certo, entendi a questão do poder, então, vamos em frente. O que esse alemão tinha a dizer sobre a autoridade? Simeão, com sua paciência infinita, sorriu e o atendeu:
– Sim, Lee, obrigado por nos manter concentrados. Voltemos ao sociólogo Max Weber. Ele mostrou que o poder é a capacidade de alguém exigir, forçar ou coagir os outros a fazerem sua vontade. A autoridade, por outro lado, é a capacidade de levar os outros a fazerem de bom grado a vontade de alguém, por causa de sua influência pessoal. O pastor olhou na minha direção:
– Que tal simplificar essa para mim?
– Deixe que eu cuido dessa para você, John – interveio o sargento, solidário, talvez intuindo que o meu pavio estava curto.
– No exército é muito comum encontrar generais, coronéis e até mesmo sargentos que exercem poder sobre seus subordinados. Sua maneira de comandar é “Faça, senão…” Mas os verdadeiros líderes militares, aqueles que entram para a história, são os que inspiram os soldados a servir a uma causa. Você acha que morrer pela pátria é conquistado com poder ou autoridade?
– Sim, Greg, excelente! – agradeceu Simeão, que escreveu,
Liderança = Autoridade
O professor continuou:
– Repetindo, não creio que alguém possa compreender plenamente a liderança servidora enquanto não entender essa distinção crucial entre poder e autoridade. Para apreender melhor o conceito de autoridade, pensem no radical autor e no que ele significa.
– Estou com ele aqui mesmo, no dicionário – disse a diretora, como era de esperar. Diz aqui que autor é aquele que origina ou faz existir alguma coisa.
– Exatamente, Teresa – disse Simeão. – A influência pessoal, a autoridade, é algo que a própria pessoa gera, que reside nela.
– É claro! – exclamou a treinadora, animada. – O nosso poder não é algo que reside em nós como pessoas. Por exemplo, um policial, um militar, um político ou um juiz exercem apenas o poder que lhes é delegado pelo povo. No mundo empresarial, mesmo sendo meu chefe, você só terá poder sobre mim se ele lhe for conferido pela organização. Como treinadora, o meu poder deriva da instituição de ensino que o confia a mim.
– Pensando bem – acrescentou a enfermeira –, usamos até hoje essas velhas definições de poder e autoridade. Por exemplo, quando os políticos são apanhados em aventuras sexuais, os comentaristas de televisão dizem coisas do tipo “O senador perdeu a autoridade moral com esse escândalo sexual, o que o impossibilitará de servir adequadamente aos seus eleitores”
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.– Tem razão, Kim – interpus. – Pode-se ter poder sobre as pessoas e, ainda assim, ter pouca ou nenhuma autoridade perante elas. Sou um exemplo vivo disso. É só perguntar aos meus empregados, que logo poderão ser meus ex-empregados, ou à minha mulher, que logo pode vir a ser minha ex-mulher, ou a meus filhos, se conseguir que eles falem com você. Podia-se ouvir o canto dos grilos. Nem eu mesmo acreditei que tinha dito aquilo. Simeão olhou diretamente para mim e disse:
– Que depoimento franco e importante você acaba de dar, John. Ignorando a observação do professor, o pastor mudou rapidamente a direção da conversa:
– O que eu penso sobre essa coisa da autoridade é… O professor nos deixou chocados, ao interrompê-lo no meio da frase:
– Sinto que devo dizer uma coisa. Estou pasmo com a dinâmica que venho presenciando no grupo. Por duas vezes, nesta última hora, John assumiu o risco de compartilhar conosco algumas partes muito dolorosas da sua vida. E apesar de se abrir corajosamente, mostrando sua disposição de ficar vulnerável e transparente para o grupo, vocês optaram por ignorar os comentários dele. Isso me parece estranho, num grupo em que as pessoas dizem importar-se umas com as outras
.– Está tudo bem, Simeão – apressei-me a explicar, sentindo-me esquisito e querendo amenizar o mal-estar do grupo. Todos ficaram num silêncio incômodo pelo que pareceu uma eternidade.
– Você está certo, Simeão – disse a enfermeira, em voz baixa.
– Desculpe, John. Murmurei algo como “tudo bem”. E acrescentei:– Vamos em frente. Foi exatamente o que fez o sargento:
– A história fornece muitos exemplos de pessoas que tinham pouco ou nenhum poder, mas exerceram grande autoridade. Estou pensando em Jesus, Gandhi, Martin Luther King, Nelson Mandela, Madre Teresa. Nenhum poder, mas uma tonelada de autoridade, capaz de mudar o mundo. A treinadora se manifestou:
– Greg, acho úteis os casos históricos de autoridade, mas prefiro histórias da vida cotidiana com que eu possa me identificar. Alguém aqui pode citar um exemplo de uma pessoa de seu convívio que tenha tido verdadeira autoridade em sua vida?
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– Eu posso – apressou-se a dizer a diretora. – No meu primeiro emprego no magistério, a diretora era uma chefe rigorosa que exigia excelência, mas que nos deixava conversar sobre quase tudo. Ela nunca permitiu que eu fosse medíocre, e me incentivava a dar o melhor de mim, o que incluía arranjar tempo para assistir às minhas aulas e me
dar um retorno excelente, embora às vezes fosse penoso. O mais importante, porém, é que ela realmente se importava comigo, e eu seria capaz de fazer qualquer coisa por ela. Mesmo hoje, é óbvio que ela não exerce nenhum poder sobre mim, mas ainda tem autoridade comigo. Eu iria ao seu encontro num piscar de olhos, se um dia ela precisasse de mim. O sargento balançou a cabeça e elogiou:
– Ótimo exemplo, Teresa. Para mim, um grande exemplo de autoridade é minha mãe. Fez uma pausa e pigarreou, antes de prosseguir:– Bem, lembrem-se, a minha mãe não tem nenhum poder sobre mim, porque agora corro mais rápido que ela! Todos riram e ele prosseguiu:
– Mas eu também faria qualquer coisa por ela. Por quê? Porque minha mãe se dedicou a mim e me apoiou em todos os bons e maus momentos. E, acreditem, às vezes não era fácil conviver comigo. No entanto, ela sempre me respaldava. De modo que é possível dizer que ela não detém nenhum poder sobre mim, mas até hoje possui enorme
autoridade comigo.
– Tive uma treinadora de vôlei, no ensino médio, que se chamava Phyllis – contou a treinadora – e que me tomou sob a sua proteção na época em que eu era uma adolescente confusa e revoltada. Ela me ensinou sobre atletismo, caráter e disciplina, sobre a vida, os garotos e inúmeras outras coisas. Até hoje me pergunto onde eu estaria, se não tivesse topado com a Phyllis. Eu faria qualquer coisa por ela na adolescência, e mesmo agora. Simeão ordenou as ideias para nós:
– A autoridade, portanto, é a sua influência pessoal nos outros, aquela marca indelével que vocês deixam nos corações e nas mentes. Outra maneira de ver o poder e a autoridade é esta: o poder pode ser comprado e vendido, concedido e retirado. Mas a autoridade nunca é comprada nem vendida, conferida ou retirada. Ela está intimamente
ligada ao que a pessoa é. A questão não é se você tem poder como líder. É provável que tenha. A verdadeira questão é se as pessoas se submeteriam voluntariamente à sua liderança, caso pudessem escapar. Em caso afirmativo, você teria construído uma verdadeira autoridade.
– E, caso contrário – acrescentou o sargento –, você as estaria tratando do pescoço para baixo. Teria a submissão delas, até que pudessem escapar do seu comando.
– Vocês estão acabando comigo – resmunguei, enquanto nos retirávamos para o intervalo da tarde.
AS PESSOAS CORRERAM PORTA AFORA para verificar suas mensagens e aplacar seu vício nos celulares, mas eu tomei a decisão de não ver como iam as coisas na empresa. Em vez disso, optei por ligar para casa e saber como estava a família. Minha filha, Sara, atendeu ao telefone, e tivemos nossa conversa típica: eu fazendo as perguntas, ela resmungando respostas monossilábicas (oi, tá, é, não, tchau). Sara passou o telefone para Rachel, e as coisas não melhoraram. Fiz o melhor que pude para escutar com paciência e ser agradável, mas a boa vontade se esvaiu quando ela me disse que John Jr. estava ameaçado de ser expulso da escola. Aparentemente, nosso filho mais velho fora apanhado em flagrante, introduzindo furtivamente um videogame pornográfico e violento na aula de computação. Rachel me disse que eu precisava participar mais da vida do nosso filho. Urgentemente. Tudo o que ouvi foi que eu era incompetente como pai, e isso, é claro, apertou meu botãozinho do fracasso, o que desencadeou nossos comportamentos relacionais de sempre. Em menos de um minuto, a conversa deteriorou, transformando-se na nossa dança desencontrada, previsível e permanente. Nosso circuito particular de comunicação. Que coisa especial! Terminei a conversa com minha frase de praxe:
– Tá bom, depois a gente conversa, tenho que desligar. Eu me encaminhei irritado para a sala de aula, com pena de mim mesmo, e me perguntando se devia voltar logo para casa ou aguentar mais dois dias.
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